Tema:
“arrependei-vos e crede no evangelho”– Marcos 1:15
Geralmente
se crê que a fé e o arrependimento não são nada mais do que a
porta da salvação; que são necessários somente no início da
carreira cristã. Ou acaso não nos exorta o Apóstolo a que
‘'deixemo-nos levar para o que é perfeito, não lançando mão de
novo a base do arrependimento de obras mortas, e da fé em Deus''? (
Hb. 6:1)
Não
há dúvida de que isto é certo, que há um arrependimento e uma fé
imprescindíveis no princípio, a saber, um arrependimento que é a
completa convicção de nossa pecaminosidade, culpabilidade e
incapacidade, e que este arrependimento é necessário para que
possamos receber o Reino de Deus, esse Reino espiritual, que, segundo
o Senhor Jesus, está dentro de nós (Lc 19:21), e uma fé pela qual
recebemos este Reino descrito em Romanos (14:17).
Mas
apesar disso, há uma fé e um arrependimento indispensáveis em cada
etapa de nossa carreira cristã e sem eles não é possível que
corramos a carreira que nos é proposta. E este arrependimento e esta
fé são tão necessários para que continuemos e cresçamos na
graça, como aquele arrependimento e aquela fé (iniciais) o foram
para que entrássemos no Reino de Deus.
Mas,
em que sentido devemos nós, arrependermo-nos e crermos, depois de
havermos sido justificados? Esta questão é muito importante e digna
da maior atenção.
2
– Em que sentido o crente deve arrepender-se?
O
arrependimento dos crentes é uma espécie de conhecimento de si
mesmo, a saber, a consciência de que somos pecadores, sim, pecadores
culpados e incapazes, se bem que saibamos que somos filhos de Deus.
Quando achamos pela primeira vez a redenção no sangue de Jesus,
quando o amor de Deus se derrama pela primeira vez em nosso coração,
é natural que suponhamos que já não somos pecadores, e que todos
nossos pecados não só estão cobertos como também destruídos.
Como já não sentimos nenhuma maldade em nosso coração, facilmente
cremos que ela já não existe nele, e algumas pessoas sinceras
chegam ainda a imaginar isto: não só no começo da vida cristã,
como também em todo tempo depois, crendo erroneamente estarem
inteiramente santificadas, quando somente estavam justificadas, e
isto apesar do claro testemunho das Escrituras, da razão e da
experiência.
Mas,
se bem que reconheçamos que ‘'todo aquele que crê é nascido de
Deus'' ( 1 João 5:1) e que ‘'qualquer que é nascido de Deus, não
comete pecado'' ( 1João 3:9), sem dúvida, isto não significa o
nascido de Deus não sinta o pecado dentro de seu coração; é certo
que o pecado já não prevalece, mas ali permanece. E a convicção
do pecado que ainda resta no nosso coração é parte muito
importante do que estamos tratando agora.
2
– O pecado no crente
Aquele
que imaginava que todo pecado havia desaparecido não demora muito
tempo para perceber que ainda há orgulho no seu coração. E tem que
se convencer de que em muitos sentidos, tem tido inveja e que se tem
adorado a si mesmo, com soberba espiritual, de algo que deveria
provocar-lhe humildade; posto que o tem recebido de graça de Deus. E
sem dúvida, apesar de que agora reconhece este orgulho, não sente
que tem caído do favor divino.
Não
demora muito a sentir que seu coração é voluntariamente rebelde à
vontade de Deus. A vontade é parte de nossa natureza humana, mesmo
nosso bendito Salvador teve vontade como homem, ou de outra maneira,
não houvera sido verdadeiro homem. Mas Sua vontade humana sempre
esteve sujeita à vontade do Pai, em todo momento e em toda ocasião,
e ainda em sua mais profunda aflição, ele pôde dizer: “Não como
eu quero mas como Tu queres”' ( Mt.26:39). Entretanto, isto não
ocorre sempre, nem ainda com o verdadeiro crente em Cristo, que sente
frequentemente sua vontade se opondo à vontade de Deus e desejando
certas coisas que lhe são agradáveis, mas que desagradam a Deus. Em
troca, não deseja fazer certas coisas que são dolorosas à sua
natureza, mas que Deus as quer para seu proveito. O fato é que o
crente por mais firme que permaneça na fé, tendo que lutar contra
esta caprichosa vontade, demonstra que ela realmente existe, e que
ele tem consciência disso.
O
mesmo se pode afirmar do amor do mundo. É certo que quando o crente
passa ‘'da morte para a vida'' (João 5:24) não deseja nada além
de Deus e pode dizer com sinceridade: ‘'Quem mais tenho eu no céu?
Não há outro em quem eu me compraza na terra'' ( Salmo 73:25). Mas
isto não dura muito tempo. No transcurso do tempo, o crente sentirá
, ainda que em poucos momentos, ‘'a concupiscência da carne'', ou
a ‘'concupiscência dos olhos'' ou a ‘'vanglória da vida'' (1 Jo
2;16) . E mais: se não vigia e ora continuamente, o crente sentirá
que a concupiscência revive nele e luta por fazê-lo cair até quase
lhe arrancar toda a força para resistir. Sentirá os assaltos dos
desejos desordenados, a propensão a amar a criatura mais que o
Criador, seja este filho, filha, pai, mãe, esposa, esposo ou ainda
um amigo chegado. Sentirá de mil maneiras diferentes o desejo das
coisas e prazeres terrenos. E em conseqüência se esquecerá de Deus
por não buscar n'Ele toda a sua felicidade convertendo-se assim, em
‘'amantes dos deleites mais do que de Deus''.
E
de quantas e diversas maneiras não assalta a alma a ‘'concupiscência
dos olhos''?! Mesmo em trivialidades, (...) coisas que jamais
satisfarão o desejo do espírito imortal, facilmente nos fazem cair
em desejos baixos e torpes, mesmo tendo nós já provado “as
virtudes do século vindouro” (Hb 6.5).
E
quão difícil é ainda para os filhos de Deus, o dominar por
completo a soberba da vida! Esta não é outra coisa senão o desejo
e o deleite que se acha na ‘'glória dos homens'' (Jo.5:41), o
desejo e o prazer de ser adorado, o temor de ser criticado e,
juntamente com isso, a ‘'soberba da vida'' consiste em nos
envergonharmos daquilo em que deveríamos glorificar a Deus. E
finalmente, onde está o homem, mesmo entre aqueles que parecem mais
firmes na fé, que mesmo só por vezes e com pouca intensidade não
ache em si mesmo uma ou todas estas más disposições? Com isso,
resta que reconheça que a raiz do mal ainda permanece no seu
coração.
3
– Pecado no Mais Profundo do Coração
Ou
não é certo que, além das más disposições que já temos citado,
também sentimos más disposições contrárias ao amor ao nosso
próximo, sentindo ciúmes e (nutrindo) preconceitos? Aquele que está
limpo deste pecado, que atire a primeira pedra!! Será que jamais nos
têm tocado, ainda que levemente, a inveja, a amargura, o
ressentimento, especialmente quando vemos que outro desfruta de algum
bem que nós desejamos e não temos podido alcançar?
Jamais
tem despertado em nós a mágoa quando alguém nos tem ofendido,
especialmente quando esta pessoa estava bem próxima de nosso
coração? Ou, será que jamais temos sentido o ímpeto da vingança
ante a injustiça ou ingratidão? E tudo isto indica o quanto há em
nosso coração que é contrário ao amor ao próximo?
Haverá
algum, mesmo entre os verdadeiros filhos de Deus, que está livre da
cobiça ou da torpe ambição? Eu creio que não há uma só pessoa
nascida de Deus que não tenha sentido algum tempo depois algumas
destas paixões. Portanto, podemos afirmar como verdade irrefutável
que a cobiça, assim como a ambição e a ira, permanecem no coração,
mesmo daqueles que foram justificados.
O
testemunho de Apóstolo Paulo
Justamente,
por causa desta experiência, é que muitas pessoas sérias se
inclinam a crer que a última parte do sétimo capítulo da epístola
aos romanos se refere aos regenerados, aos que têm sido justificados
gratuitamente pela redenção que há em Cristo Jesus (Rm 3:24) e
neste sentido têm razão; resta ainda aos regenerados uma mente que
de certa forma ainda é carnal. Ou não diz o apóstolo aos coríntios
‘'vós sois carnais''? (1 Cor. 3:3,4). Resta nos justificados um
coração sempre inclinado à apostasia, sempre disposto a se apartar
do Deus vivo, resta no coração certa propensão ao orgulho,
obstinação, ira, vingança, deleites mundanos, sim, a toda maldade.
Ainda há tal raiz de amargura, que em qualquer momento de
negligência espiritual ela pode brotar. Enfim ainda há tal
profundidade de corrupção, que se não fosse pela clara revelação
de Deus, sequer poderíamos imaginar. Pois bem, a convicção de todo
este pecado que ainda resta no coração é parte do arrependimento
que os crentes devem exercitar.
Outras
formas de arrependimento
Também
nos convencemos de que o pecado ainda permanece em nosso coração,
porque o percebemos em nossas palavras. Muitas de nossas palavras,
não só estão contaminadas pelo pecado como são todas pecado. A
essa classe de palavras, pertence toda a conversação sem amor, toda
intriga, toda murmuração e indiscrição.
E
ainda que houvesse uma pessoa que nunca caíra nesta tentação –
acaso não cairia no pecado de falar ociosamente? (Mateus 12:36) E
ainda que jamais tenha pronunciado tais palavras, por acaso poderia
estar seguro de que nunca houve ócio ou maldade no seu coração?
E
também nos convencemos de que o pecado permanece em nossos corações,
porque o percebemos em nossas ações. Ou acaso não temos
consciência de que muitos de nossos atos, não são para a glória
de Deus, e que muitas vezes nem sequer temos esta intenção?
E,
ainda mais, acaso não nos percebemos de que temos incorrido no
pecado da omissão? Não sabemos que mil e mil vezes temos deixado de
fazer o bem tanto para o nosso próximo quanto para Deus?
E
além destas omissões, acaso não descobrimos defeitos interiores
que não nos é possível enumerar? Defeitos de toda classe: na fé,
no amor, no que devemos a Deus e a nosso próximo.
Também
a convicção de culpa é uma outra forma desse arrependimento. O
fato de que havemos sido justificados por Deus mediante a fé, não
significa que não mereçamos o castigo do pecado.
A
Convicção da Incapacidade
A
certeza de completa incapacidade é outra forma do arrependimento dos
crentes.
Em
primeiro lugar, isto significa que os crentes sabem que não podem
conceber de si mesmos um só pensamento bom, nem nutrir de si mesmos
um só desejo bom que seja, muito menos pronunciar uma boa palavra ou
realizar uma boa obra.
E
em segundo lugar, essa consciência de completa incapacidade
significa que os crentes sabem que não podem em absoluto livrar a si
mesmos do orgulho, nem de sua obstinação, nem do amor ao mundo, nem
de sua ira ou de sua inata propensão ao pecado, e que não podem
tampouco livrar a si mesmos das palavras ociosas, nem da intenção
de dizê-las, nem dos pecados de omissão, falta de amor, consciência
de culpa e convicção de incapacidade.
E
se acaso houvesse alguma pessoa que cresse que só pelo fato de estar
justificado, podem expulsar de seu coração esses pecados, que faça
o mesmo a prova. Que veja se acaso pode, com a graça que tem
recebido, deixar, por seus próprios esforços, o orgulho, a
obstinação ou toda forma de pecado interior.
A
Segunda Limpeza
O
certo é que esta verdade é tão evidente, que quase todos os filhos
de Deus espalhados pelo mundo, por mais que difiram entre si acerca
de outros assuntos, estão inteiramente de acordo neste particular,
se bem que podemos resistir e ainda dominar o pecado exterior e
interior, e enfraquecer nossos inimigos mais e mais a cada dia, sem
dúvida, não podemos expulsá-los. Nem com toda a graça que nos é
dada na justificação, podemos extirpá-los. Nem com toda a
vigilância e oração de que sejamos capazes, poderemos limpar
completamente nossas mãos e nossos corações.
Por
certo que não poderemos, a não ser que o Senhor fale outra vez ao
nosso coração: ‘'Sê limpo''. E só assim a lepra será limpa por
completo (Marcos 1:40,42). Só assim será destruída a raiz da
maldade e a vã mente carnal; só assim, o pecado inato, deixará de
ser.
Mas
não existe esta segunda limpeza, sim, não há tal livramento
instantâneo depois da justificação, não há mais do que a obra de
limpeza gradual, então conformemo-nos, o melhor que podemos, em
seguir cheios de pecado até à morte. E se isto é assim, então
continuaremos merecendo o castigo, porque é impossível livrar-nos
da culpa enquanto o pecado permanecer em nosso coração; e mais, no
rigor da justiça, tudo o que pensamos e falamos, aumentará
constantemente nossa culpa.
II
– Em que Sentido Deve Crer o Cristão para Ser Limpo de Todo o
Pecado?
Enquanto
não experimentamos este arrependimento, este conhecimento de nós
mesmos, não podemos progredir na vida cristã, porque enquanto não
tivermos consciência da enfermidade, não buscaremos a saúde.
Então, se há em nós este arrependimento, só nos falta crer no
Evangelho.
Também
esta fé é diferente daquela que necessitamos para a justificação.
Agora se exige crer nas boas novas que Deus tem preparado para todo o
(Seu) povo. Esta fé significa crer que Aquele que é o ‘'resplendor
da glória de seu Pai, e a mesma imagem de sua substância'', é
poderoso para ‘'salvar eternamente aos que por meio dele se achegam
à Deus'' (Hebreus 1:3, 7:25) Esta fé significa crer que Ele é
poderoso para salvar-te de todo pecado que ainda permanece em teu
coração; que Ele é poderoso para livrar-te de todo o pecado que se
agarra a tuas palavras e ações, que Ele é poderoso para salvar-te
dos pecados de omissão, e para suprir toda falta ou defeito que haja
em ti.
Certamente
para o homem isto é impossível; mas para Deus feito homem, todas as
coisas são possíveis, porque nada é difícil para aquele que
disse: ‘'Todo poder me é dado no céu e na terra.'' (Mateus
28:18). Mas Sua onipotência não é o único alicerce para nossa fé,
que se apóia segura também em suas imutáveis promessas, e Ele tem
prometido umas mil vezes, e da maneira mais clara possível. Assim
lemos na Lei: Deuteronômio (30:6), nos Salmos (Salmo 130:8), nos
Profetas (Ezequiel 36:25;32), e finalmente no Novo Testamento(Lucas
1:68-75).
Ele
não somente pode, como também quer tudo isto; volta-te para ele
agora mesmo. Se tu deixas para manhã, então tu mesmo te farás
surdo e endurecerás teu coração (Hebreus 3:7,8). Então crê, que
Ele quer salvar-te hoje mesmo, ainda mais, que Ele quer salvar-te
agora mesmo. Crê somente, e neste preciso momento descobrirás que
‘'ao que crê, tudo é possível''( Marcos 9:23)
E
continue crendo nAquele que te amou e se entregou a si mesmo por ti,
que levou seus pecados em seu corpo sobre o madeiro, e que te livra
de toda condenação por meio da contínua aplicação do Seu sangue
(Gálatas 2:20; 1 Pedro 2:24; Romanos 8:1; 1 João 1:7), crendo
constantemente que somos limpos do pecado interior e de toda
imundícia do coração, e que também somos salvos de toda essa
culpa, de todo esse merecimento de castigo, que antes sentíamos. E
assim, por esta fé em Sua vida e em Sua morte, em Sua ressurreição
e em Sua atual intercessão por nós, é que somos feitos
inteiramente limpos de coração e de vida.
E
por meio desta mesma fé, sentimos a cada momento o poder de Cristo
em nós, graças ao qual somos o que somos, e podemos continuar e
crescer na vida espiritual , e graças ao qual recebemos sua virtude
para sentir, pensar, falar e fazer o que é agradável a Ele.
E
é assim então que o arrependimento e a fé se completam mutuamente
nos filhos de Deus. O arrependimento nos faz sentir o pecado que
permanece em nosso coração e que se agarra a nossas palavras e
ações. E a fé nos dá o poder de Deus em Cristo Jesus, que
purifica nosso coração e limpa nossas mãos.
III
– A absoluta necessidade de inteira santificação.
Depois
de tudo o que foi dito, facilmente podemos reputar como perigosa a
opinião que diz que somos inteiramente santificados no momento em
que somos justificados. É certo que somos libertos do domínio do
pecado exterior, e que é quebrantado o poder do pecado interior, mas
isto não significa de maneira nenhuma que com ele seja destruído o
pecado interior, nem que seja quitada do coração a raiz do orgulho,
da obstinação, da ira e do amor ao mundo.
O
pensar ao contrário, não é, como alguns pensam, um equívoco
inocente, inofensivo. Não! Pelo contrário, é algo que causa
muitíssimo dano. Fecha por completo o caminho para todo
melhoramento, porque fazendo-nos crer que já estamos sãos, mata em
nós todo o desejo de maior sanidade; e crendo-nos santificados, é
absurdo que esperemos achar maior livramento do pecado, nem gradual,
nem instantâneo.
Pelo
contrário, a profunda convicção de que todo corpo do pecado está
ainda em nosso coração, debilitado sim, mas não destruído, nos
mostra mais, além de toda dúvida, a absoluta necessidade de
melhoramento. Por isso os crentes que não tem profunda convicção
de pecado, ocupam-se tão pouco da inteira santificação. Não
sentem nenhuma inquietude pela falta dela, nem sentem nenhum desejo
ardente por ela. É necessário que conheçam a si mesmos, isto é,
que se arrependam no sentido em que temos explicado; é preciso que
Deus tire o véu (grifo nosso) que cobre ‘'a face do monstro'' e
lhes mostre o verdadeiro caráter de sua alma.
Só
então sentirão o peso da carga do pecado, e gemerão implorando ser
livres dela. Só então, e não antes, clamarão em agonia de sua
alma:
‘'Quebra
o jugo Senhor, de meu pecado interior
e
meu Espírito liberta completamente
Não
acharei serenidade, mais que nesta santidade
de
perder minha vida em ti, eternamente .
Só
assim poderemos entender o verdadeiro valor do sangue da expiação,
porque só assim sentiremos a urgente necessidade que dela temos não
só na justificação, mas a cada momento depois para ser limpo de
todo pecado. De outra maneira cada momento acumularíamos maior
culpa, o qual nos exporia à maior condenação. Mas graças a Deus
que podemos contar com esta inteira certeza.
‘'Teu
sangue nunca perderá
Oh!
Cristo o Seu poder
E
só nele assim poderá
A
alma limpa ser.''
Este
arrependimento e esta fé, unidos mutuamente um com o outro, é o que
canta o hino que diz:
‘'Reconheço
que culpado sou
Mas
em ti, Senhor, já salvo estou
Cristo,
escuta meu clamor
Lava-me
em Teu sangue carmesim
Limpa-me
de todo mal em mim
Aperfeiçoa-me
em amor.''
Só
assim é que poderemos ter profunda consciência de que estamos
completamente incapacitados para livrar-nos a nós mesmos do mundo de
maldade que permanece em nosso coração e em nossa vida. Só assim é
que poderemos viver em Cristo pela fé, tendo-O deveras como nosso
Rei, engrandecendo-O em toda a nossa vida, e coroando-O como nosso
Senhor.
Só
assim se cumprirão real e profundamente esta nobres palavras quando
nós nos desprendemos de nós mesmos para ser absorvidos n'Ele,
quando nós nos tornamos em nada para que Ele seja: ‘'O tudo em
todos'' ( Colossensses 3:11). E só assim é que por Sua graça,
havendo Ele destruído ‘'toda a altura que se levanta contra Ele'',
Ele mesmo cativo todo impulso e todo pensamento, toda palavra, e toda
obra'' à obediência de Cristo''( 2 Coríntios 10:5), nosso bendito
Salvador.
John
Wesley - Irlanda do Norte, 24 de Abril de 1767.
Tema:
“arrependei-vos e crede no evangelho”– Marcos 1:15
Geralmente
se crê que a fé e o arrependimento não são nada mais do que a
porta da salvação; que são necessários somente no início da
carreira cristã. Ou acaso não nos exorta o Apóstolo a que
‘'deixemo-nos levar para o que é perfeito, não lançando mão de
novo a base do arrependimento de obras mortas, e da fé em Deus''? (
Hb. 6:1)
Não
há dúvida de que isto é certo, que há um arrependimento e uma fé
imprescindíveis no princípio, a saber, um arrependimento que é a
completa convicção de nossa pecaminosidade, culpabilidade e
incapacidade, e que este arrependimento é necessário para que
possamos receber o Reino de Deus, esse Reino espiritual, que, segundo
o Senhor Jesus, está dentro de nós (Lc 19:21), e uma fé pela qual
recebemos este Reino descrito em Romanos (14:17).
Mas
apesar disso, há uma fé e um arrependimento indispensáveis em cada
etapa de nossa carreira cristã e sem eles não é possível que
corramos a carreira que nos é proposta. E este arrependimento e esta
fé são tão necessários para que continuemos e cresçamos na
graça, como aquele arrependimento e aquela fé (iniciais) o foram
para que entrássemos no Reino de Deus.
Mas,
em que sentido devemos nós, arrependermo-nos e crermos, depois de
havermos sido justificados? Esta questão é muito importante e digna
da maior atenção.
2
– Em que sentido o crente deve arrepender-se?
O
arrependimento dos crentes é uma espécie de conhecimento de si
mesmo, a saber, a consciência de que somos pecadores, sim, pecadores
culpados e incapazes, se bem que saibamos que somos filhos de Deus.
Quando achamos pela primeira vez a redenção no sangue de Jesus,
quando o amor de Deus se derrama pela primeira vez em nosso coração,
é natural que suponhamos que já não somos pecadores, e que todos
nossos pecados não só estão cobertos como também destruídos.
Como já não sentimos nenhuma maldade em nosso coração, facilmente
cremos que ela já não existe nele, e algumas pessoas sinceras
chegam ainda a imaginar isto: não só no começo da vida cristã,
como também em todo tempo depois, crendo erroneamente estarem
inteiramente santificadas, quando somente estavam justificadas, e
isto apesar do claro testemunho das Escrituras, da razão e da
experiência.
Mas,
se bem que reconheçamos que ‘'todo aquele que crê é nascido de
Deus'' ( 1 João 5:1) e que ‘'qualquer que é nascido de Deus, não
comete pecado'' ( 1João 3:9), sem dúvida, isto não significa o
nascido de Deus não sinta o pecado dentro de seu coração; é certo
que o pecado já não prevalece, mas ali permanece. E a convicção
do pecado que ainda resta no nosso coração é parte muito
importante do que estamos tratando agora.
2
– O pecado no crente
Aquele
que imaginava que todo pecado havia desaparecido não demora muito
tempo para perceber que ainda há orgulho no seu coração. E tem que
se convencer de que em muitos sentidos, tem tido inveja e que se tem
adorado a si mesmo, com soberba espiritual, de algo que deveria
provocar-lhe humildade; posto que o tem recebido de graça de Deus. E
sem dúvida, apesar de que agora reconhece este orgulho, não sente
que tem caído do favor divino.
Não
demora muito a sentir que seu coração é voluntariamente rebelde à
vontade de Deus. A vontade é parte de nossa natureza humana, mesmo
nosso bendito Salvador teve vontade como homem, ou de outra maneira,
não houvera sido verdadeiro homem. Mas Sua vontade humana sempre
esteve sujeita à vontade do Pai, em todo momento e em toda ocasião,
e ainda em sua mais profunda aflição, ele pôde dizer: “Não como
eu quero mas como Tu queres”' ( Mt.26:39). Entretanto, isto não
ocorre sempre, nem ainda com o verdadeiro crente em Cristo, que sente
frequentemente sua vontade se opondo à vontade de Deus e desejando
certas coisas que lhe são agradáveis, mas que desagradam a Deus. Em
troca, não deseja fazer certas coisas que são dolorosas à sua
natureza, mas que Deus as quer para seu proveito. O fato é que o
crente por mais firme que permaneça na fé, tendo que lutar contra
esta caprichosa vontade, demonstra que ela realmente existe, e que
ele tem consciência disso.
O
mesmo se pode afirmar do amor do mundo. É certo que quando o crente
passa ‘'da morte para a vida'' (João 5:24) não deseja nada além
de Deus e pode dizer com sinceridade: ‘'Quem mais tenho eu no céu?
Não há outro em quem eu me compraza na terra'' ( Salmo 73:25). Mas
isto não dura muito tempo. No transcurso do tempo, o crente sentirá
, ainda que em poucos momentos, ‘'a concupiscência da carne'', ou
a ‘'concupiscência dos olhos'' ou a ‘'vanglória da vida'' (1 Jo
2;16) . E mais: se não vigia e ora continuamente, o crente sentirá
que a concupiscência revive nele e luta por fazê-lo cair até quase
lhe arrancar toda a força para resistir. Sentirá os assaltos dos
desejos desordenados, a propensão a amar a criatura mais que o
Criador, seja este filho, filha, pai, mãe, esposa, esposo ou ainda
um amigo chegado. Sentirá de mil maneiras diferentes o desejo das
coisas e prazeres terrenos. E em conseqüência se esquecerá de Deus
por não buscar n'Ele toda a sua felicidade convertendo-se assim, em
‘'amantes dos deleites mais do que de Deus''.
E
de quantas e diversas maneiras não assalta a alma a ‘'concupiscência
dos olhos''?! Mesmo em trivialidades, (...) coisas que jamais
satisfarão o desejo do espírito imortal, facilmente nos fazem cair
em desejos baixos e torpes, mesmo tendo nós já provado “as
virtudes do século vindouro” (Hb 6.5).
E
quão difícil é ainda para os filhos de Deus, o dominar por
completo a soberba da vida! Esta não é outra coisa senão o desejo
e o deleite que se acha na ‘'glória dos homens'' (Jo.5:41), o
desejo e o prazer de ser adorado, o temor de ser criticado e,
juntamente com isso, a ‘'soberba da vida'' consiste em nos
envergonharmos daquilo em que deveríamos glorificar a Deus. E
finalmente, onde está o homem, mesmo entre aqueles que parecem mais
firmes na fé, que mesmo só por vezes e com pouca intensidade não
ache em si mesmo uma ou todas estas más disposições? Com isso,
resta que reconheça que a raiz do mal ainda permanece no seu
coração.
3
– Pecado no Mais Profundo do Coração
Ou
não é certo que, além das más disposições que já temos citado,
também sentimos más disposições contrárias ao amor ao nosso
próximo, sentindo ciúmes e (nutrindo) preconceitos? Aquele que está
limpo deste pecado, que atire a primeira pedra!! Será que jamais nos
têm tocado, ainda que levemente, a inveja, a amargura, o
ressentimento, especialmente quando vemos que outro desfruta de algum
bem que nós desejamos e não temos podido alcançar?
Jamais
tem despertado em nós a mágoa quando alguém nos tem ofendido,
especialmente quando esta pessoa estava bem próxima de nosso
coração? Ou, será que jamais temos sentido o ímpeto da vingança
ante a injustiça ou ingratidão? E tudo isto indica o quanto há em
nosso coração que é contrário ao amor ao próximo?
Haverá
algum, mesmo entre os verdadeiros filhos de Deus, que está livre da
cobiça ou da torpe ambição? Eu creio que não há uma só pessoa
nascida de Deus que não tenha sentido algum tempo depois algumas
destas paixões. Portanto, podemos afirmar como verdade irrefutável
que a cobiça, assim como a ambição e a ira, permanecem no coração,
mesmo daqueles que foram justificados.
O
testemunho de Apóstolo Paulo
Justamente,
por causa desta experiência, é que muitas pessoas sérias se
inclinam a crer que a última parte do sétimo capítulo da epístola
aos romanos se refere aos regenerados, aos que têm sido justificados
gratuitamente pela redenção que há em Cristo Jesus (Rm 3:24) e
neste sentido têm razão; resta ainda aos regenerados uma mente que
de certa forma ainda é carnal. Ou não diz o apóstolo aos coríntios
‘'vós sois carnais''? (1 Cor. 3:3,4). Resta nos justificados um
coração sempre inclinado à apostasia, sempre disposto a se apartar
do Deus vivo, resta no coração certa propensão ao orgulho,
obstinação, ira, vingança, deleites mundanos, sim, a toda maldade.
Ainda há tal raiz de amargura, que em qualquer momento de
negligência espiritual ela pode brotar. Enfim ainda há tal
profundidade de corrupção, que se não fosse pela clara revelação
de Deus, sequer poderíamos imaginar. Pois bem, a convicção de todo
este pecado que ainda resta no coração é parte do arrependimento
que os crentes devem exercitar.
Outras
formas de arrependimento
Também
nos convencemos de que o pecado ainda permanece em nosso coração,
porque o percebemos em nossas palavras. Muitas de nossas palavras,
não só estão contaminadas pelo pecado como são todas pecado. A
essa classe de palavras, pertence toda a conversação sem amor, toda
intriga, toda murmuração e indiscrição.
E
ainda que houvesse uma pessoa que nunca caíra nesta tentação –
acaso não cairia no pecado de falar ociosamente? (Mateus 12:36) E
ainda que jamais tenha pronunciado tais palavras, por acaso poderia
estar seguro de que nunca houve ócio ou maldade no seu coração?
E
também nos convencemos de que o pecado permanece em nossos corações,
porque o percebemos em nossas ações. Ou acaso não temos
consciência de que muitos de nossos atos, não são para a glória
de Deus, e que muitas vezes nem sequer temos esta intenção?
E,
ainda mais, acaso não nos percebemos de que temos incorrido no
pecado da omissão? Não sabemos que mil e mil vezes temos deixado de
fazer o bem tanto para o nosso próximo quanto para Deus?
E
além destas omissões, acaso não descobrimos defeitos interiores
que não nos é possível enumerar? Defeitos de toda classe: na fé,
no amor, no que devemos a Deus e a nosso próximo.
Também
a convicção de culpa é uma outra forma desse arrependimento. O
fato de que havemos sido justificados por Deus mediante a fé, não
significa que não mereçamos o castigo do pecado.
A
Convicção da Incapacidade
A
certeza de completa incapacidade é outra forma do arrependimento dos
crentes.
Em
primeiro lugar, isto significa que os crentes sabem que não podem
conceber de si mesmos um só pensamento bom, nem nutrir de si mesmos
um só desejo bom que seja, muito menos pronunciar uma boa palavra ou
realizar uma boa obra.
E
em segundo lugar, essa consciência de completa incapacidade
significa que os crentes sabem que não podem em absoluto livrar a si
mesmos do orgulho, nem de sua obstinação, nem do amor ao mundo, nem
de sua ira ou de sua inata propensão ao pecado, e que não podem
tampouco livrar a si mesmos das palavras ociosas, nem da intenção
de dizê-las, nem dos pecados de omissão, falta de amor, consciência
de culpa e convicção de incapacidade.
E
se acaso houvesse alguma pessoa que cresse que só pelo fato de estar
justificado, podem expulsar de seu coração esses pecados, que faça
o mesmo a prova. Que veja se acaso pode, com a graça que tem
recebido, deixar, por seus próprios esforços, o orgulho, a
obstinação ou toda forma de pecado interior.
A
Segunda Limpeza
O
certo é que esta verdade é tão evidente, que quase todos os filhos
de Deus espalhados pelo mundo, por mais que difiram entre si acerca
de outros assuntos, estão inteiramente de acordo neste particular,
se bem que podemos resistir e ainda dominar o pecado exterior e
interior, e enfraquecer nossos inimigos mais e mais a cada dia, sem
dúvida, não podemos expulsá-los. Nem com toda a graça que nos é
dada na justificação, podemos extirpá-los. Nem com toda a
vigilância e oração de que sejamos capazes, poderemos limpar
completamente nossas mãos e nossos corações.
Por
certo que não poderemos, a não ser que o Senhor fale outra vez ao
nosso coração: ‘'Sê limpo''. E só assim a lepra será limpa por
completo (Marcos 1:40,42). Só assim será destruída a raiz da
maldade e a vã mente carnal; só assim, o pecado inato, deixará de
ser.
Mas
não existe esta segunda limpeza, sim, não há tal livramento
instantâneo depois da justificação, não há mais do que a obra de
limpeza gradual, então conformemo-nos, o melhor que podemos, em
seguir cheios de pecado até à morte. E se isto é assim, então
continuaremos merecendo o castigo, porque é impossível livrar-nos
da culpa enquanto o pecado permanecer em nosso coração; e mais, no
rigor da justiça, tudo o que pensamos e falamos, aumentará
constantemente nossa culpa.
II
– Em que Sentido Deve Crer o Cristão para Ser Limpo de Todo o
Pecado?
Enquanto
não experimentamos este arrependimento, este conhecimento de nós
mesmos, não podemos progredir na vida cristã, porque enquanto não
tivermos consciência da enfermidade, não buscaremos a saúde.
Então, se há em nós este arrependimento, só nos falta crer no
Evangelho.
Também
esta fé é diferente daquela que necessitamos para a justificação.
Agora se exige crer nas boas novas que Deus tem preparado para todo o
(Seu) povo. Esta fé significa crer que Aquele que é o ‘'resplendor
da glória de seu Pai, e a mesma imagem de sua substância'', é
poderoso para ‘'salvar eternamente aos que por meio dele se achegam
à Deus'' (Hebreus 1:3, 7:25) Esta fé significa crer que Ele é
poderoso para salvar-te de todo pecado que ainda permanece em teu
coração; que Ele é poderoso para livrar-te de todo o pecado que se
agarra a tuas palavras e ações, que Ele é poderoso para salvar-te
dos pecados de omissão, e para suprir toda falta ou defeito que haja
em ti.
Certamente
para o homem isto é impossível; mas para Deus feito homem, todas as
coisas são possíveis, porque nada é difícil para aquele que
disse: ‘'Todo poder me é dado no céu e na terra.'' (Mateus
28:18). Mas Sua onipotência não é o único alicerce para nossa fé,
que se apóia segura também em suas imutáveis promessas, e Ele tem
prometido umas mil vezes, e da maneira mais clara possível. Assim
lemos na Lei: Deuteronômio (30:6), nos Salmos (Salmo 130:8), nos
Profetas (Ezequiel 36:25;32), e finalmente no Novo Testamento(Lucas
1:68-75).
Ele
não somente pode, como também quer tudo isto; volta-te para ele
agora mesmo. Se tu deixas para manhã, então tu mesmo te farás
surdo e endurecerás teu coração (Hebreus 3:7,8). Então crê, que
Ele quer salvar-te hoje mesmo, ainda mais, que Ele quer salvar-te
agora mesmo. Crê somente, e neste preciso momento descobrirás que
‘'ao que crê, tudo é possível''( Marcos 9:23)
E
continue crendo nAquele que te amou e se entregou a si mesmo por ti,
que levou seus pecados em seu corpo sobre o madeiro, e que te livra
de toda condenação por meio da contínua aplicação do Seu sangue
(Gálatas 2:20; 1 Pedro 2:24; Romanos 8:1; 1 João 1:7), crendo
constantemente que somos limpos do pecado interior e de toda
imundícia do coração, e que também somos salvos de toda essa
culpa, de todo esse merecimento de castigo, que antes sentíamos. E
assim, por esta fé em Sua vida e em Sua morte, em Sua ressurreição
e em Sua atual intercessão por nós, é que somos feitos
inteiramente limpos de coração e de vida.
E
por meio desta mesma fé, sentimos a cada momento o poder de Cristo
em nós, graças ao qual somos o que somos, e podemos continuar e
crescer na vida espiritual , e graças ao qual recebemos sua virtude
para sentir, pensar, falar e fazer o que é agradável a Ele.
E
é assim então que o arrependimento e a fé se completam mutuamente
nos filhos de Deus. O arrependimento nos faz sentir o pecado que
permanece em nosso coração e que se agarra a nossas palavras e
ações. E a fé nos dá o poder de Deus em Cristo Jesus, que
purifica nosso coração e limpa nossas mãos.
III
– A absoluta necessidade de inteira santificação.
Depois
de tudo o que foi dito, facilmente podemos reputar como perigosa a
opinião que diz que somos inteiramente santificados no momento em
que somos justificados. É certo que somos libertos do domínio do
pecado exterior, e que é quebrantado o poder do pecado interior, mas
isto não significa de maneira nenhuma que com ele seja destruído o
pecado interior, nem que seja quitada do coração a raiz do orgulho,
da obstinação, da ira e do amor ao mundo.
O
pensar ao contrário, não é, como alguns pensam, um equívoco
inocente, inofensivo. Não! Pelo contrário, é algo que causa
muitíssimo dano. Fecha por completo o caminho para todo
melhoramento, porque fazendo-nos crer que já estamos sãos, mata em
nós todo o desejo de maior sanidade; e crendo-nos santificados, é
absurdo que esperemos achar maior livramento do pecado, nem gradual,
nem instantâneo.
Pelo
contrário, a profunda convicção de que todo corpo do pecado está
ainda em nosso coração, debilitado sim, mas não destruído, nos
mostra mais, além de toda dúvida, a absoluta necessidade de
melhoramento. Por isso os crentes que não tem profunda convicção
de pecado, ocupam-se tão pouco da inteira santificação. Não
sentem nenhuma inquietude pela falta dela, nem sentem nenhum desejo
ardente por ela. É necessário que conheçam a si mesmos, isto é,
que se arrependam no sentido em que temos explicado; é preciso que
Deus tire o véu (grifo nosso) que cobre ‘'a face do monstro'' e
lhes mostre o verdadeiro caráter de sua alma.
Só
então sentirão o peso da carga do pecado, e gemerão implorando ser
livres dela. Só então, e não antes, clamarão em agonia de sua
alma:
‘'Quebra
o jugo Senhor, de meu pecado interior
e
meu Espírito liberta completamente
Não
acharei serenidade, mais que nesta santidade
de
perder minha vida em ti, eternamente .
Só
assim poderemos entender o verdadeiro valor do sangue da expiação,
porque só assim sentiremos a urgente necessidade que dela temos não
só na justificação, mas a cada momento depois para ser limpo de
todo pecado. De outra maneira cada momento acumularíamos maior
culpa, o qual nos exporia à maior condenação. Mas graças a Deus
que podemos contar com esta inteira certeza.
‘'Teu
sangue nunca perderá
Oh!
Cristo o Seu poder
E
só nele assim poderá
A
alma limpa ser.''
Este
arrependimento e esta fé, unidos mutuamente um com o outro, é o que
canta o hino que diz:
‘'Reconheço
que culpado sou
Mas
em ti, Senhor, já salvo estou
Cristo,
escuta meu clamor
Lava-me
em Teu sangue carmesim
Limpa-me
de todo mal em mim
Aperfeiçoa-me
em amor.''
Só
assim é que poderemos ter profunda consciência de que estamos
completamente incapacitados para livrar-nos a nós mesmos do mundo de
maldade que permanece em nosso coração e em nossa vida. Só assim é
que poderemos viver em Cristo pela fé, tendo-O deveras como nosso
Rei, engrandecendo-O em toda a nossa vida, e coroando-O como nosso
Senhor.
Só
assim se cumprirão real e profundamente esta nobres palavras quando
nós nos desprendemos de nós mesmos para ser absorvidos n'Ele,
quando nós nos tornamos em nada para que Ele seja: ‘'O tudo em
todos'' ( Colossensses 3:11). E só assim é que por Sua graça,
havendo Ele destruído ‘'toda a altura que se levanta contra Ele'',
Ele mesmo cativo todo impulso e todo pensamento, toda palavra, e toda
obra'' à obediência de Cristo''( 2 Coríntios 10:5), nosso bendito
Salvador.
John
Wesley - Irlanda do Norte, 24 de Abril de 1767.