"Então
o diabo O transportou à cidade santa, e colocou-O sobre o pináculo
do templo, e disse-Lhe: Se Tu és o Filho de Deus, lança-Te daqui
abaixo; porque está escrito: Que aos Seus anjos dará ordem a Teu
respeito; e tomar-Te-ão nas mãos, para que nunca tropeces em alguma
pedra." Mat. 4:5 e 6.
Julga
Satanás haver agora enfrentado Jesus mesmo em Seu terreno. O próprio
astuto inimigo apresenta palavras procedentes da boca de Deus. Parece
ainda um anjo de luz, e mostra claramente estar familiarizado com as
Escrituras, entendendo a significação do que está escrito. Como
Jesus usara anteriormente a Palavra de Deus para apoiar Sua fé, o
tentador agora a emprega para corroborar seu engano. Pretende ter
estado apenas provando a fidelidade de Jesus, louvando-Lhe agora a
firmeza. Como o Salvador manifestou confiança em Deus, Satanás
insiste com Ele para que dê outro testemunho de Sua fé.
Mas
novamente a tentação é introduzida com a insinuação de
desconfiança: "Se Tu és o Filho de Deus." Mat. 4:6.
Cristo foi tentado a responder ao "se"; absteve-Se, porém,
da mais leve aceitação da dúvida. Não poria em risco Sua vida
para dar a Satanás uma prova. O tentador pensava aproveitar-se da
humanidade de Cristo, e incitou-O à presunção. Mas ao passo que
pode instigar, não lhe é possível forçar ao pecado. Disse a
Jesus: "Lança-Te de aqui abaixo", sabendo que O não podia
lançar; pois Deus Se interporia para livrá-Lo. Tampouco poderia o
inimigo forçar Jesus a Se lançar. A menos que Cristo consentisse na
tentação, não poderia ser vencido. Nem todo o poder da Terra ou do
inferno O poderia forçar no mínimo que fosse a Se apartar da
vontade de Seu Pai.
O
tentador jamais nos poderá compelir a praticar o mal. Não pode
dominar as mentes, a menos que se submetam a seu controle. A vontade
tem que consentir, a fé largar sua segurança em Cristo, antes que
Satanás possa exercer domínio sobre nós. Mas todo desejo
pecaminoso que nutrimos lhe proporciona um palmo de terreno. Todo
ponto em que deixamos de satisfazer à norma divina, é uma porta
aberta pela qual pode entrar para nos tentar destruir. E todo
fracasso ou derrota de nossa parte, dá-lhe ocasião de acusar a
Cristo.
Quando
Satanás citou a promessa: "Aos Seus anjos dará ordem a Teu
respeito" (Mat. 4:6), omitiu as palavras: "para Te
guardarem em todos os Teus caminhos" (Sal. 91:11); isto é, em
todos os caminhos da escolha de Deus. Jesus recusou sair da vereda da
obediência. Conquanto manifestasse perfeita confiança em Seu Pai,
não Se colocaria, sem que isso Lhe fosse ordenado, em situação que
tornasse necessária a interposição do Pai para O salvar da morte.
Não forçaria a Providência a vir em Seu socorro, deixando assim de
dar ao homem um exemplo de confiança e submissão.
Jesus
declarou a Satanás: "Também está escrito: Não tentarás o
Senhor teu Deus". Mat. 4:7. Essas palavras foram ditas por
Moisés aos filhos de Israel, quando tinham sede no deserto, e
pediram que Moisés lhes desse água, exclamando: "Está o
Senhor no meio de nós, ou não?" Êxo. 17:7. Deus operara
maravilhas por eles; todavia, em aflição, dEle duvidaram, e
exigiram demonstrações de que estava com eles. Procuraram, em sua
incredulidade, pô-Lo à prova. E Satanás estava incitando Cristo a
fazer a mesma coisa. Deus já tinha testificado que Cristo era Seu
Filho; pedir agora sinal de ser Ele o Filho de Deus, seria pôr à
prova a Palavra divina - tentando-O. E dar-se-ia o mesmo quanto a
pedir o que Deus não havia prometido. Manifestaria desconfiança, e
estaria realmente provando-O ou tentando-O. Não devemos apresentar
ao Senhor nossas petições para provar se Ele cumpre Sua palavra,
mas porque as cumpre; não para provar que Ele nos ama, mas porque
nos ama. "Sem fé é impossível agradar-Lhe; porque é
necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que Ele existe,
e que é galardoador dos que O buscam". Heb. 11:6.
Mas
a fé não é de maneira nenhuma aliada à presunção. Somente o que
tem verdadeira fé está garantido contra a presunção. Pois
presunção é a falsificação da fé, operada por Satanás. A fé
reclama as promessas de Deus, e produz frutos de obediência. A
presunção também reclama as promessas, mas serve-se delas como fez
Satanás, para desculpar a transgressão. A fé teria levado nossos
primeiros pais a confiar no amor de Deus, e obedecer-Lhe aos
mandamentos. A presunção os levou a transgredir-Lhe a lei, crendo
que Seu grande amor os salvaria da conseqüência de seu pecado. Não
é ter fé pretender o favor do Céu, sem cumprir as condições sob
as quais é concedida a misericórdia. A fé genuína baseia-se nas
promessas e providências das Escrituras.
Muitas
vezes quando Satanás falhou em incitar desconfiança, consegue êxito
em nos levar à presunção. Se consegue pôr-nos desnecessariamente
no caminho da tentação, sabe que tem a vitória. Deus há de
guardar todos quantos andam no caminho da obediência; apartar-se
dela, porém, é arriscar-se no terreno de Satanás. Aí cairemos por
certo.
O
Salvador nos ordena: "Vigiai e orai, para que não entreis em
tentação". Mar. 14:38. A meditação e a oração nos
guardariam de nos precipitar, sem ser solicitados, ao encontro do
perigo, e seríamos assim salvos de muitas derrotas.Entretanto, não
devemos perder o ânimo quando assaltados pela tentação.
Freqüentemente, quando colocados em situação probante, duvidamos
de que tenhamos sido guiados pelo Espírito de Deus. Foi, no entanto,
a guia do Espírito que dirigiu Jesus para o deserto, para ser
tentado por Satanás. Quando Deus nos leva à provação, tem um
desígnio a realizar, para nosso bem. Jesus não presumiu das
promessas de Deus, indo sem que Lhe fosse ordenado, ao encontro da
tentação, nem Se entregou ao acabrunhamento quando ela Lhe
sobreveio. Tampouco o devemos nós fazer. "Fiel é Deus, que vos
não deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará
também o escape, para que a possais suportar". Ele diz:
"Oferece a Deus sacrifício de louvor, e paga ao Altíssimo os
teus votos. E invoca-Me no dia da angústia: Eu te livrarei, e tu Me
glorificarás".; Sal. 50:14 e 15.
Jesus
saiu vitorioso da segunda tentação, e então Satanás se manifesta
em seu verdadeiro caráter. Não se apresenta, todavia, como aquele
horrível monstro de pés de cabra e asas de morcego. Embora decaído,
é um poderoso anjo. Declara-se o chefe da rebelião, e o deus deste
mundo.
Colocando
Jesus sobre uma alta montanha, fez com que todos os reinos do mundo,
em toda a sua glória, passassem, em vista panorâmica, diante dEle.
A luz do Sol projeta-se sobre cidades cheias de templos, palácios de
mármore, campos férteis e vinhas carregadas de frutos. Os vestígios
do mal estavam ocultos. Os olhos de Jesus, cercados ultimamente de
tanta tristeza e desolação, contemplam agora uma cena de
inexcedível beleza e prosperidade. Ouve então a voz do tentador:
"Dar-Te-ei a Ti todo este poder e a sua glória; porque a mim me
foi entregue, e dou-o a quem quero; portanto, se Tu me adorares, tudo
será Teu". Luc. 4:6 e 7.
A
missão de Cristo só se podia cumprir através de sofrimento.
Achava-se diante dEle uma existência de dores, privações, lutas e
morte ignominiosa. Cumpria-Lhe carregar sobre Si os pecados de todo o
mundo. Tinha que sofrer a separação do amor do Pai. Ora, o tentador
oferecia entregar-Lhe o poder que usurpara. Cristo poderia livrar-Se
do terrível futuro mediante o reconhecimento da supremacia de
Satanás. Fazer isso, porém, era renunciar à vitória no grande
conflito. Fora por buscar exaltar-se acima do Filho de Deus, que
Satanás pecara no Céu. Prevalecesse ele agora, e seria isso a
vitória da rebelião.
Quando
Satanás declarou a Cristo: O reino e a glória do mundo me foram
entregues, e dou-os a quem quero, disse o que só em parte era
verdade, e disse-o para servir a seu intuito de enganar. O domínio
dele, arrebatara-o de Adão, mas este era o representante do Criador.
Não era, pois, um governador independente. A Terra pertence a Deus,
e Ele confiou ao Filho todas as coisas. Adão devia reinar em
sujeição a Cristo. Ao atraiçoar Adão sua soberania, entregando-a
às mãos de Satanás, Cristo permaneceu ainda, de direito, o Rei.
Assim disse o Senhor ao rei Nabucodonosor: "O Altíssimo tem
domínio sobre os reinos dos homens; e os dá a quem quer". Dan.
4:17. Satanás só pode exercer sua usurpada autoridade segundo Deus
lho permita.
Quando
o tentador ofereceu a Cristo o reino e a glória do mundo, estava
propondo que Ele renunciasse à verdadeira soberania do mesmo e
mantivesse domínio em sujeição a Satanás. Era este o mesmo
domínio em que os judeus fundavam as esperanças. Desejavam o reino
deste mundo. Houvesse Cristo consentido em oferecer-lhes tal reino,
com alegria tê-Lo-iam recebido. Mas a maldição do pecado, com
todas as suas misérias pesaria sobre esse reino. Cristo declarou ao
tentador: "Vai-te, Satanás; porque está escrito: Adorarás ao
Senhor teu Deus, e só a Ele servirás". Mat. 4:10.
Os
reinos deste mundo eram oferecidos a Cristo por aquele que se
revoltara no Céu, com o fim de comprar-Lhe a homenagem aos
princípios do mal; mas Ele não seria comprado; viera para
estabelecer o reino da justiça, e não renunciaria a Seu desígnio.
Com a mesma tentação aproxima-se Satanás dos homens, e tem aí
mais êxito do que obteve com Jesus. Oferece-lhes o reino deste
mundo, sob a condição de lhe reconhecerem a supremacia. Exige que
sacrifiquem a integridade, desatendam à consciência, condescendam
com o egoísmo. Cristo lhes pede que busquem primeiro o reino de
Deus, e Sua justiça, mas o inimigo põe-se-lhes ao lado, e diz:
"Seja qual for a verdade sobre a vida eterna, para conseguir
êxito neste mundo, precisas servir-me. Tenho nas mãos teu
bem-estar. Posso dar-te riquezas, prazeres, honra e felicidade. Dá
ouvidos a meu conselho. Não te deixes levar por extravagantes idéias
de honestidade ou abnegação. Prepararei o caminho adiante de ti".
Assim são enganadas multidões. Consentem em viver para o serviço
do próprio eu, e Satanás fica satisfeito. Enquanto os seduz com a
esperança do domínio do mundo, ganha-lhes domínio sobre a alma.
Oferece aquilo que não lhe pertence conceder, e que há de ser em
breve dele arrebatado. Despoja-os, entretanto, fraudulosamente, de
seu título à herança de filhos de Deus.
Satanás
pôs em dúvida a filiação divina de Cristo. Na maneira por que foi
sumariamente despedido, teve a irrefutável prova. A divindade
irradiou através da humanidade sofredora. Satanás foi impotente
para resistir à ordem. Torcendo-se de humilhação e raiva, foi
forçado a retirar-se da presença do Redentor do mundo. A vitória
de Cristo fora tão completa, como o tinha sido o fracasso de Adão.
Assim
podemos resistir à tentação, e forçar Satanás a retirar-se de
nós. Jesus obteve a vitória por meio da submissão e fé em Deus, e
diz-nos mediante o apóstolo: "Sujeitai-vos pois a Deus, resisti
ao diabo, e ele fugirá de vós. Chegai-vos a Deus, e Ele Se chegará
a vós". Tia. 4:7 e 8. Não nos podemos salvar do poder do
tentador; ele venceu a humanidade, e quando tentamos resistir em
nossa própria força, tornamo-nos presa de seus ardis; mas "torre
forte é o nome do Senhor; para ela correrá o justo, e estará em
alto retiro". Prov. 18:10. Satanás treme e foge diante da mais
débil alma que se refugia nesse nome poderoso.
Havendo
partido o adversário, Jesus caiu exausto por terra, cobrindo-Lhe o
rosto a palidez da morte. Os anjos do Céu haviam testemunhado o
conflito, contemplando seu amado Capitão enquanto passava por
inexprimíveis sofrimentos para nos abrir a nós um meio de escape.
Resistira à prova - prova maior do que jamais seremos chamados a
suportar. Os anjos serviram então ao Filho de Deus, enquanto jazia
como moribundo. Foi fortalecido com alimento, confortado com a
mensagem do amor do Pai, e com a certeza de que todo o Céu triunfara
com Sua vitória.
Reanimado,
Seu grande coração dilatou-se em simpatia para com o homem, e saiu
para completar a obra que iniciara; para não descansar enquanto o
inimigo não estivesse vencido, e nossa caída raça redimida.Jamais
poderá o preço de nossa redenção ser avaliado enquanto os remidos
não estiverem com o Redentor ante o trono de Deus. Então, ao
irromperem as glórias do lar eterno em nossos arrebatados sentidos,
nos lembraremos de que Jesus abandonou tudo isso por nós, que Ele
não somente Se tornou um exilado das cortes celestiais, mas
enfrentou por nós o risco da derrota e eterna perdição. Então,
lançaremos aos pés nossas coroas, erguendo o cântico: "Digno
é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e
sabedoria, e força, e honra, e glória e ações de graças."
Apoc. 5:12