Quando
estudamos a Epístola de Paulo a Filemom é importantíssimo sabermos
quem foi Onésimo, para que nosso entendimento seja mais completo.
Além de ser uma figura chave na Carta a Filemom, Onésimo também
aparece na Epístola de Paulo aos Colossenses. Nesse estudo
conheceremos tudo o que se sabe a respeito de Onésimo.
Quem era Onésimo:
Basicamente
Onésimo foi um escravo fugitivo pertencente à Filemom.
O nome Onésimo significa “útil”, e era um nome comum dado aos
escravos da época. Na Epístola a Filemom, principalmente no
versículo 11, Paulo faz um jogo de palavras com o nome de Onésimo,
descrevendo-o como aquele que “antes te foi inútil; atualmente,
porém, é útil, a ti e a mim”. Com isso Paulo estava salientando
que, como um escravo rebelde, Onésimo não havia sido útil a
Filemom, mas como tinha se arrependido de sua rebeldia devido à
transformação do Evangelho em sua vida, tornando-se obediente a
Cristo, agora Onésimo havia se tronado útil tanto para Paulo como
para Filemom.
Onésimo
também é um dos elos que estabelece ligação entre a Epístola aos
Colossenses e a Epístola a Filemom, lançando luz sobre o
entendimento de que ambas as epístolas foram escritas e enviadas do
mesmo lugar e ao mesmo tempo. Muito provavelmente o senhor de
Onésimo, Filemom, residia na cidade Colossos. A Carta a Filemom
também nos leva a crer que Onésimo, além de ter fugido, causou
algum prejuízo ao seu senhor:
E, se te fez algum dano, ou te deve alguma coisa, lança-o minha conta. Eu, Paulo, de meu próprio punho o escrevo, eu o pagarei, para não te dizer que ainda a ti mesmo a mim te deves. (Filemom 1:18,19)
João
Calvino afirma que, considerando o termo “prejuízo”, pode-se
inferir que Onésimo havia furtado algo de propriedade de Filemom,
talvez um bem valioso ou alguma importância em dinheiro. Muitos
intérpretes seguem a mesma linha de entendimento de Calvino sobre
esse assunto.
Outra
possibilidade que não necessariamente anula a anterior apresentada
acima considera que a lei romana exigia que qualquer um que
hospedasse um escravo fugitivo, se tornava devedor ao senhor do
escravo do montante referente a cada dia de trabalho perdido por ele.
Assim, pode ser que no versículo 19 Paulo esteja se referindo a essa
regra, e se colocando como fiador dando a garantia de pagamento pela
dívida em decorrência da ausência de Onésimo.
Onésimo e a escravidão no Império Romano
Para
compreendermos ainda melhor a história de Onésimo, precisamos
considerar alguns aspectos da escravidão no império Romano.
Estima-se que havia cerca de sessenta milhões de escravos no Império
Romano. Como sabemos, em todos os impérios e reinos antigos a
escravidão era algo comum, sendo considerada fundamental na
sociedade e no bom funcionamento da economia e geração de riqueza.
Na maioria das vezes a população de escravos era muito maior do que
o restante da população livre. Na Itália, por exemplo, acreditasse
que a população de escravos no primeiro século chegava a quase 90%
da população. Portanto, era comum o medo presente por parte de
todos de uma possível rebelião de escravos.
Para
evitar que as coisas saíssem do controle, os escravos eram sempre
muito oprimidos, e a sinal de qualquer rebeldia o escravo corria o
risco de ser morto. Em caso de fuga, como no de Onésimo, o escravo
era caçado e, ao ser recapturado, era marcado com ferro quente na
testa com a letra F de fugitivo, além de seu senhor ter total
liberdade para castigá-lo severamente e até mesmo crucificá-lo. As
fugas eram frequentes no Império Romano, principalmente quando os
senhores se mostravam cruéis. Mesmo Onésimo tendo fugido, não
devemos inferir que Filemom se enquadrava nesse perfil. Os senhores
geralmente ofereciam altas recompensas por denúncias que levassem ao
paradeiro de um escravo fugitivo, além de existirem grupos
especializados em caça e recaptura de escravos.
Não
existia qualquer lei que defendesse os escravos, ou que garantisse
algum direito a eles. Os senhores possuíam o direito de vida e de
morte sobre os escravos. Eles podiam torturá-los, prendê-los,
castigá-los, açoitá-los e matá-los. Os escravos não passavam de
ferramentas vivas de trabalho.
Na
época existiam maneiras distintas de um indivíduo se tornar
escravo. Ele poderia ser escravo por ter nascido de uma mãe escrava,
ou por ter cometido algum crime específico, ou por pertencer a uma
nação que havia sido conquistada por outra. Alguém também podia
se tornar escravo para quitar uma dívida, e, em alguns casos, o
próprio pai podia vender o filho como escravo. No Império Romano os
escravos eram comercializados por 500 a 60.000 Denários.
Não
sabemos qual era o caso de Onésimo, se ele sempre foi escravo ou se
havia se tornado escravo no decorrer da vida, o que sabemos é que
ele foi verdadeiramente liberto pelo poder do Evangelho, algo que
ocorreu quando ele se encontrou com o Apóstolo Paulo. O Apóstolo
estava preso quando escreveu a Filemom em favor de Onésimo.
Provavelmente essa prisão se dava na cidade de Roma. Não temos
nenhuma informação de como Onésimo se encontrou com Paulo, nem
mesmo se foi um encontro intencional, ou seja, se ele procurou
diretamente o Apóstolo em busca de abrigo. Seja como for, o conteúdo
da carta que descreve o resultado gerado na vida de Onésimo,
demonstra que esse encontro foi providência de Deus.
Alguns
estudiosos sugerem que o encontro talvez tenha relação com uma
possível permissão dada pela lei romana, de um amigo do
proprietário de escravos mediar um conflito entre escravo e senhor.
Se esse for o caso, então é possível que Onésimo já tivesse
escutado sobre Paulo pelo contato que o Apóstolo mantinha com
Filemom e com os membros da igreja de Colossos.
Onésimo e a Carta de Paulo a Filemom
Onésimo
tinha sido transformado pelo Evangelho de Cristo, se tornado um
colaborar de Paulo enquanto o Apóstolo estava preso em Roma, porém
ainda era um escravo fugitivo que possui uma situação pendente que
devia ser resolvida. O Evangelho havia libertado Onésimo totalmente,
mas não o dispensava de suas obrigações legais da época. Diante
dos fatos, Paulo então escreve uma carta a Filemom para enviar
Onésimo de volta a ele. No versículo vemos que essa foi uma decisão
difícil para o Apóstolo, devido à utilidade que Onésimo havia
adquirido.Eu bem quisera retê-lo comigo, para que em teu lugar me
servisse nas prisões do evangelho. (Filemom 1:13)
O
regresso de Onésimo a casa de Filemom era a demonstração prática
de que o escravo havia sido verdadeiramente convertido. Para Paulo,
esse retorno significava perder um importante auxílio que tinha nos
dias de cárcere que enfrentava. Para Onésimo o retorno era o
momento da humildade, do arrependimento e da sinceridade. Já para
Filemom, o retorno era oportunidade de demonstrar o verdadeiro perdão
e de por em prática o mandamento de “amar o próximo como ti
mesmo”.
Onésimo
então volta para Colossos com a carta de Paulo em mãos, numa viajem
de aproximadamente dois mil quilômetros, dependendo da rota
escolhida por ele. Na carta, o Apóstolo roga para que Filemom
receba-o não como um escravo fugitivo, mas como um irmão em Cristo.
Certamente esse pedido somente poderia ser atendido por alguém
genuinamente regenerado pelo Espírito Santo.
Não
sabemos o que ocorreu no retorno de Onésimo à casa de Filemom. Todo
o contexto aponta para o fato de Onésimo ter sido perdoado por
Filemom. Uma tradição cristã defende que Onésimo tenha sido
libertado por Filemom e passou a ser membro atuante nas obras da
Igreja Primitiva, e, mais tarde, tenha se tornado bispo de Éfeso e
acabou sendo preso, talvez na época do imperador Domiciano, morrendo
apedrejado em Roma. Considerando que Éfeso era uma cidade próxima a
Colossos, e que existe a evidência de um documento enviado por
Inácio endereçado a um bispo de Éfeso por nome de Onésimo, a qual
ele se refere como um “homem de inefável amor e vosso bispo”,
essa possibilidade não deve ser ignorada, embora ela enfrente alguns
problemas quanto à cronologia dos eventos.
Certamente
a história de Onésimo nos ensina muitas verdades valiosas. Talvez a
principal delas foi a conclusão observada por Lutero, ao dizer que
de certo modo, todos nós somos “Onésimos”. Escravizados pelo
pecado, todos nós andávamos errantes, perdidos, com sentença de
condenação sobre nossas cabeças. Agora, fomos encontrados,
libertados, e perdoados, por intermédio dos méritos de Cristo.